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O tempo chegou!

O Valadares Jazz Festival completa 25 anos hoje, dia 28 de julho de 2024. O festival começou na noite de 28 de julho de 1999, com a exibição de um documentário intitulado Histórias e Histórias da Bossa Nova, no Auditório da 43ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, em Governador Valadares, na véspera da primeira noite de shows no Teatro Atiaia.

25 anos. É muito tempo! Mas o festival começou a dar sinais de vida na virada de 1969 para 1970, em um bairro pobre da periferia de Governador Valadares, em uma casa de madeira, que media 40 metros quadrados, fincada no Bairro Vila Parque Ibituruna. Nesta casa, assim como no bairro, não havia água encanada, nem energia elétrica. Logo, nesta casa, não havia nenhum aparelho eletrodoméstico.

Mas na pequena varanda daquela casa de madeira, em cima de uma máquina de costura, havia um rádio transistorizado, de pilha, um legítimo ABC, a voz de ouro. Eu morava nesta casa e neste rádio de pilhas, meu pai, Alpiniano Silva, ex-atleta de futebol e pintor de automóveis, ouvia as jornadas esportivas e suas músicas favoritas, como os sambas cantados por Dóris Monteiro, Miltinho, Noite Ilustrada, Ataulfo Alves... e tantos outros. E as canções sofridas de Ângela Maria, Altemar Dutra, Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Núbia Lafayete...

E eu, criança, ficava ali perto dele, na audição radiofônica. Eu gostava muito quando o rádio tocava o som das big bands. A massa sonora potente dos metais, o som da bateria, do piano, tudo me encantava. E meu pai me dizia: isso é música orquestrada, essa é a orquestra de Count Basie, e essa é a de Glenn Miller...

A descoberta do jazz

Quando meu pai saía de perto do rádio, a curiosidade de menino me fazia assumir o lugar dele girar o dial à procura de mais músicas. E, numa certa noite, girando o dial, ouvi uma música diferente em um programa da Rádio MEC. Era o jazz! E o locutor explicava tudo, de forma didática. Incrível. E eu conheci, ainda criança, uns caras de nomes estranhos: Charlie Parker, John Coltrane, Charles Mingus, Miles Davis, os caras do Modern Jazz Quartet... e vários outros gigantes do jazz.

E cantoras de nomes igualmente estranhos: Sarah Vaughan, Dina Washington, Ella Fitzgerald, e uma cantora que era um esplendor, um encanto, que cantava com uma voz triste e diferente de todas as outras vozes femininas. O nome dessa cantora: Billie Holiday.

Mas eu também gostava de música brasileira, principalmente de um pianista, compositor e maestro, de nome extenso: Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. E também de um poeta, que também cantava, e que eu já conhecia da escola: Vinícius de Morais. Tom e Vinícius e a turma deles, os astros e estrelas da bossa nova, passeavam pela minha casa escura.

A luz elétrica

E assim segui a vida, ouvindo no rádio, jazz, bossa nova, e o fino da música popular brasileira, até 1981, quando a luz elétrica chegou lá em casa, e eu comprei um toca-discos. Mas eu nunca deixei de ouvir rádio. E foi ouvindo um programa maravilhoso, na Rádio Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, chamado Arte Final Jazz, que eu consolidei minha paixão pelo jazz. O programa era apresentado por Célio Auzer, Jota Carlos, Maurício Figueiredo e José Domingos Raffaelli.

O Raffaelli entendia tudo e mais um pouco de jazz. Jornalista e crítico musical dos melhores, escrevia no Jornal do Brasil e, anos depois, em O Globo. E era um gentleman. Eu conversava com ele quase todos os domingos pelo telefone. Ele atendia com educação e presteza os telefonemas de um garoto de 17 anos de idade, de Governador Valadares, e respondia com paciência as milhares de perguntas que eu fazia a ele.

No programa Arte Final Jazz, os apresentadores comentavam os lançamentos, as notícias publicadas na Revista Downbeat (dos Estados Unidos) e noticiavam os melhores festivais de jazz do mundo: Newport, Montreux, New Orleans... e eu ficava me imaginando nesses festivais. E imaginava algo mais ousado: se Newport, Montreux, New Orleans têm festival jazz, por que Governador Valadares não poderia ter o seu festival?

Pensei: vou fazer um festival aqui em Governador Valadares. A ideia era fantástica, mas as primeiras pessoas que ouviram a minha proposta, ali no início da década 1980, não deram a mínima. Não era pra menos. Como um garoto da periferia, da Vila Parque Ibituruna, office boy, com recursos mensais próprios equivalentes a um salário-mínimo, vai conseguir produzir um festival de jazz em sua cidade.

“Desista, é muita grana...” “Não, isso não é pra você...” “Hã, festival de jazz? Você tá é louco...”

Essas eram as opiniões que eu ouvia.

Um certo Prisma

Mas aí, em 1985, quando eu tinha 21 anos de idade, juntei uns trocados e fui à Belo Horizonte assistir ao show Prisma Sid, com César Camargo Mariano, Nelson Ayres e um timaço de músicos. Cheguei cedo ao teatro do Minascentro, esperei séculos para entrar, mas quando entrei fui para a boca do palco ver onde se posicionavam a bateria, o piano, os teclados... olhei pra cima pra ver os refletores, olhei o cenário que tinha uma samambaia pendurada no teto. Que coisa linda!

Sai da boca do palco, encantado, e sentei-me confortavelmente para assistir ao show, que foi duca! Puxa, os caras eram profissionais demais, tudo lindo e perfeito, um repertório maravilhoso, com músicas que eu já conhecia, porque eu havia comprado o vinil Prisma, meses atrás, e gostava muito de todas as músicas especialmente, Don Quixote (gravada pelo Milton Nascimento), e April Child (do maestro Moacir Santos).

Quando o show terminou eu quis ir lá no palco, conversar com os músicos, falar da minha emoção em assistir aquele espetáculo. Mas eles foram saindo, saindo, saindo e o palco ficou vazio. Me deu uma tristeza danada.

De repente, algumas pessoas começaram a subir o palco, sumindo atrás da coxia. Eu, tímido, sozinho, sem graça, hesitei em ir. Mas fui atrás. E quando cheguei ao camarim, olha quem estava logo na entrada: Nelson Ayres. O César Camargo Mariano estava sentado, logo atrás.

Eu levei o programa do show para ser autografado. E disse ao Nelson Ayres que eu tinha um desejo gigante de fazer um festival de jazz em Governador Valadares. E ele me disse: você vai fazer, não vai, César? E o César respondeu: sim, ele vai fazer!

O quê? As duas primeiras pessoas que estavam endossando o meu projeto eram o maestro Nelson Ayres e o genial pianista César Camargo Mariano? Os dois estavam levando fé no garoto da Vila Parque Ibituruna? Aquilo era demais. Naquela noite, eu voltei pra Governador Valadares nas nuvens, apesar de ter feito a sofrida viagem de ônibus.

Eclesiastes 3:1

Era o ano de 1985 e nos anos subsequentes, apesar da profecia ou força de Nelson Ayres e César Camargo Mariano, nenhum sinal do festival. Anos e anos rodando meio mundo como uma piorra, e nada. Até que um dia, cansado e quase desanimado, ouvi de minha mãe, a Dona Elza, uma coisa linda.

Ela pegou a Bíblia dela, correndo o dedo sobre Eclesiastes 3:1, e eu leu, bem pausado: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.

E o tempo determinado chegou. E foi no dia 28 de julho de 1999. Naquele dia chegou o tempo de arrancar da terra o que havia sido plantado. Nascia o Valadares Jazz Festival.

Conversando com a minha mãe na semana passada, ela lembrou de tudo e disse: “Eu me lembro, você colocava a mochilinha preta nas costas e saía atrás das coisas do festival. Às vezes não dava em nada, mas hoje o seu festival está aí”.

Sim, minha mãe resumiu tudo muito bem.

Já que o tempo chegou, em setembro, lotem o teatro, lotem a praça, é tudo de graça, mas não economizem palmas e palmas, porque os músicos que vão subir ao Palco Paulo Gustavo/Billie Holiday (Teatro Atiaia) e Palco Cemig/Rosinha de Valença, são todos iluminados. Vai ser tudo lindo.

Agradeço a Deus pela dádiva e por estar aqui, com saúde.

Nos veremos entre 16 e 21 de setembro.

Tim Filho

Fundador do Valadares Jazz Festival

Há 25 anos, o espetáculo da música

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